CRIANÇAS DESAMPARADAS

segunda-feira, 18 de março de 2013

A porta dos fundas da não tão santa madre igreja foi escancarada!



Idade: 7, 8, 9, 10. Sexo: masculino. Condição social: pobre. Condições familiares: de preferência, um filho sem pai, sozinho – ou com uma irmã. Onde procurar: nas ruas, escolas, famílias. Como fisgar: aulas de violão, coral, coroinha. Importantíssimo: prender a família do garoto. Possibilidades: garoto carinhoso, carente de pai. Sem moralismo. Atitudes minhas: ver do que o garoto gosta e atendê-lo em cobrança à sua entrega a mim. Como me apresentar: sempre seguro, sério, dominador, pai.
Você acaba de ler o diário de um padre condenado a 15 anos de prisão por abusos sexuais: Tarcísio Tadeu Sprícigo. Em 2000, na cidadezinha de Agudos, São Paulo, ele ensinava música para um garoto de 9 anos. Essa era a fisgada. O pagamento? Favores sexuais, prestados durante um ano. Feitas as primeiras denúncias, em 2001, a Igreja o transferiu para Anápolis, Goiânia. Lá, a história se repetiria com mais duas crianças – uma de 13 anos, outra de 5.
Bizarro. Mas nada incomum. Escândalos assim têm acontecido nos últimos anos, no mundo todo. Só nos EUA, único lugar com estatísticas concretas sobre padres que cometeram abusos sexuais, 4 392 sacerdotes católicos foram denunciados por esse tipo de crime entre 1950 e 2002. Isso dá 4% do total de pessoas que exerceram o sacerdócio no país nesse período. Um número alto, ainda mais tendo-se em mente que menos de 1% da população pode ser classificada como pedófila.
Os casos com crianças são os mais visíveis entre os que envolvem a sexualidade dos padres. Mas não faltam exemplos em outras searas. Há estimativas, veja só, de que metade dos sacerdotes brasileiros tenham amantes. Boa parte deles, homens. E denúncias de que o Vaticano abriga uma grande comunidade gay, com chefões da Igreja fazendo sexo sadomasoquista. Também existem milhares de sacerdotes que largam a batina a cada ano para casar e ter filhos. E os que matam os filhos para não ter de largar a batina. Isso é um pouco do que você vai ver nestas páginas.

sexo dos anjos
A bomba sobre a sexualidade dos padres estourou lá fora em 2004, com a publicação do Relatório John Jay – um estudo encomendado pela própria Confederação de Bispos Católicos dos EUA à Faculdade de Justiça Criminal John Jay, de Nova York. Foi de lá que saiu o dado sobre a existência de milhares de padres acusados de pedofilia no país. Tudo apurado a partir de acusações feitas às dioceses, não à polícia. A iniciativa de pedir o relatório foi o ponto culminante de um escândalo que tinha começado dois anos antes, quando o então arcebispo de Boston, cardeal Bernard Law, confessou ter protegido um padre que, sabia ele, tinha molestado crianças. Daí para a frente acusações e processos se avolumaram, trazendo à tona casos que tinham acontecido desde a década de 1940.
E agora o assunto volta aos holofotes por aqui. Imagine um dos mais respeitados defensores dos Direitos Humanos no Brasil. Um protetor de moradores de rua, de internos da Febem e de crianças soropositivas, admirado pelos movimentos sociais. Padre Júlio Lancelotti. Na metade de outubro, ele denunciou o ex-interno Anderson Marcos Batista, de 25 anos, e sua mulher, Conceição, de 44, ambos com antecedentes criminais por acusações de furto e tráfico. Em 3 anos, o casal extorquiu do padre R$ 150 mil – ou R$ 600 mil, segundo o próprio Batista. Uma das compras do ex-interno foi uma picape Pajero, em que colou um adesivo – “Deus é fiel”. Para conseguir o dinheiro, o casal fez uma série de ameaças. Uma delas, denunciar à imprensa que Lancelotti teria abusado sexualmente do filho de Conceição, de 8 anos.
De vítima, o padre virou acusado.
Foi na Febem que o padre conheceu Batista, então internado por roubo. Lá, diz ter sido abusado pelo padre aos 16 anos. Batista afirma que, depois de liberado, manteve um relacionamento sexual de 8 anos com o padre, em troca de dinheiro.
Não há provas dessas acusações, tampouco o padre apresentou explicações convincentes sobre a origem do dinheiro. E, ao ser indagado sobre o que o levou a pagar Batista por 8 anos, disse que “era para mudá-lo pelo bem, não pela força”.

No fim das contas, a história parece toda mal contada, em ambos os lados. E pode muito bem refazer o trajeto do famoso caso da Escola Base, em São Paulo quando os donos do colégio foram falsamente acusados de violentar seus alunos. Apesar da falta de provas, a imprensa divulgou o caso com estardalhaço. A escola fechou. Aí, depois que o mundo dos acusados já tinha caído, a polícia concluiu que todos eram inocentes. É possível que isso se repita com o padre Júlio. Que ele nunca tenha molestado uma criança. Mas, seja qual for o desfecho dessa história, ela é só mais uma entre tantas acusações de cunho sexual contra sacerdotes da Igreja Católica.
E o problema não é só com eles: tribunais de Justiça dos EUA e da Irlanda já decidiram que a Igreja, como instituição, é tão responsável quanto os padres pelos crimes que eles cometeram. No ano passado, 14,7 mil crianças irlandesas receberam um total de 1,3 bilhão de euros em indenizações por terem sofrido violências sexuais nas mãos de padres. Nos EUA, a arquidiocese de Boston foi condenada em 2002 a pagar US$ 85 milhões a 552 vítimas. Em 2007, a de Los Angeles desembolsou mais ainda: US$ 600 milhões, para 500 pessoas molestadas por sacerdotes. Além disso, escândalos se avolumam até nas altas cúpulas: o cardeal austríaco Hans Hermann Groër, chefe da Igreja de seu país, e o arcebispo George Pell, da Austrália, chegaram a se afastar dos cargos nos últimos anos após acusações de pedofilia.
É evidente, também, que a Igreja Católica não detém o monopólio dos escândalos sexuais. No Sri Lanka, por exemplo, um monge budista se matou após ser condenado a 20 anos por pedofilia. Nos EUA, um rabino de Nova York foi preso em 2006, acusado de molestar crianças.
Mesmo assim, não dá para negar a associação entre padres e abusos sexuais. E a pergunta é óbvia: por que, num ambiente que prega a castidade e a retidão moral, isso acontece tanto?

A motivação
Há várias hipóteses possíveis, nenhuma excludente. Número 1: falta de punição. Os líderes locais da Igreja abafam os casos, deixando os abusadores livres da Justiça comum. Nisso eles ficam soltos para continuar praticando crimes. Dos 4 392 padres acusados no Relatório Jonh Jay, por exemplo, só 14,1% foram denunciados à polícia. O resto das acusações morreu dentro das dioceses, acobertado por líderes como o cardeal Bernard Law. O caso do padre Tarcísio também ilustra isso. Em vez de denunciá-lo à Justiça, seus superiores apenas transferiram-no de paróquia. E ele pôde continuar agindo.
Número 2: o padre é uma figura respeitada no seu círculo social. Um criminoso de batina, então, tem grandes chances de se aproveitar desse poder. É o que fez Hélio Alves de Oliveira. O padre Helinho dirigia um colégio católico em Rio Claro, São Paulo. Em 2004, ele foi condenado a 16 anos de prisão por atentado violento ao pudor. Helinho abusava de 3 meninos que tinham entre 8 e 10 anos. As crianças tendiam a obedecê-lo e ficar em silêncio.
A 3º hipótese é o celibato, uma das mais polêmicas instituições da Igreja. E uma das mais antigas. A origem dela se confunde com a das próprias religiões. Sua função, historicamente, é fazer com que o religioso se desapegue do mundo material. Ela está no hinduísmo, que tem 5 mil anos de história, por exemplo. O budismo, que começou por volta do ano 500 a.C., teve seus primeiros dias como uma ordem de monges que via no celibato uma forma de eliminar o desejo – e, de quebra, o sofrimento com as frustrações.
Na Europa, o celibato existe pelo menos desde a Antiguidade Clássica, seja entre filósofos, como Pitágoras – ele acreditava na falta de sexo como uma forma de alcançar o equilíbrio –, seja entre sacerdotes de cultos arcaicos, como o maniqueísmo e o hermeticismo. E no fim das contas chegou aos cristãos. Em boa parte, por influência de um homem que louvava o celibato, o apóstolo Paulo de Tarso, maior divulgador do cristianismo durante o século 1. No ano 306, o concílio regional de Elvira reformulou as leis da cristandade e decretou que, mesmo casados, padres e bispos deveriam abster-se do sexo. Dezenove anos depois, outro concílio, o de Nicéia, proibiu que padres vivessem com mulheres que não fossem sua mãe, irmã ou tia. Mas o casamento só foi abolido de vez depois que o papa Gregório 7º reforçou a imposição ao celibato, a partir de 1074.
A instituição nunca deixou de ser questionada, claro. Principalmente na Reforma Protestante, dos séculos 16 e 17. Para os reformadores, além de ir contra os ensinamentos bíblicos, o celibato era uma das causas para “abominações e más condutas sexuais” dentro do clero.

Vida sem sexo
Aqui é preciso abrir um parêntese na história da Igreja para ouvir o que a ciência tem a dizer. Você sabe: a idéia do celibato parece totalmente contra a natureza. Para o grosso da população mundial, passar o resto da vida sem sexo não fica atrás de ser condenado à prisão perpétua. Mas e aí? Dá mesmo para viver sem sexo? “Dá, sim”, diz o psicoterapeuta sexual Oswaldo Rodrigues Jr., diretor do Instituto Paulista de Sexualidade. “Se uma pessoa tem um projeto de vida racional que implique celibato, ele é viável. Não atrapalha.”
A estimativa é que 2,5% dos homens e 7,7% das mulheres escolheram o celibato como modo de vida. “E eles fizeram isso porque não sentem necessidade de atividade sexual. São pessoas para quem o sexo não tem apelo. Esse dado precisa ser levado em conta, porque mostra que nem para todos o celibato é um sacrifício”, diz a psiquiatra Carmita Abdo, da USP, coordenadora do Projeto Sexualidade (Prosex), que chegou a esses números.
Por esse raciocínio, o celibato funciona se a grande motivação para ele for o desejo de não fazer sexo. Ok. Mas não é o que acontece na Igreja. Quem vira padre o faz porque quer dedicar sua vida a fazer o bem; porque sente prazer em ajudar; porque quer dar conforto espiritual. A princípio, ninguém parte para o sacerdócio porque não quer transar nunca mais. Mas não há escolha. O celibato na Igreja é uma condição, não uma opção.
Os números falam por si. Se existem 400 mil padres hoje no mundo, também há 150 mil pessoas que largaram a batina para casar. E mais: “No Brasil, cerca de 50% dos sacerdotes teriam amantes. Esta prática de não cumprir o voto de castidade está se espalhando pela Europa e pelos EUA”, disse o teólogo Aldo Natale Terrin, da Universidade Católica de Milão, à rede britânica BBC. E emendou: “As autoridades eclesiásticas erram ao afastar os casados do sacerdócio e manter os que cometem abuso sexual e pedofilia”.
Mas alguns sacerdotes que furam o bloqueio não têm estrutura para encarar as conseqüências. Foi o que aconteceu com o padre mexicano Dagoberto Arriaga. Sua fuga do celibato lhe rendeu um filho. Com medo de ser expulso da Igreja, ele matou a criança em 2005. Acabou condenado a 55 anos de prisão.
Com uma realidade dessas, o Vaticano deve estar mudando a cabeça em relação ao celibato, certo? Errado. No fim de 2006, o cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes, considerado progressista dentro da Igreja, foi transferido para Roma, como chefe da Congregação para o Clero no Vaticano. Sua tarefa era cuidar de problemas relacionados ao comportamento de padres. Numa entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, disse que “apesar de o celibato fazer parte da história e da cultura católicas, a Igreja pode reverter essa questão”. Mas estamos em  tempos de conservadorismo no Vaticano. Bento 16, lembre-se, prega a castidade não só entre os sacerdotes mas entre os fiéis também. Todo mundo só devia transar para se reproduzir, diz o papa. Baita saia-justa defender o fim do celibato numa situação dessas. Hummes até precisou se retratar ao Vaticano, dizendo que o assunto não está em discussão.
Mas deveria estar. É o que pensa Eliana Massih, psicóloga do Instituto Terapêutico Acolher, uma instituição autônoma que se dedica a aconselhar padres pedófilos: “Quando se propõe a vida celibatária, a idéia é que a falta de sexo seja compensada pela vida comunitária. Mas isso nem sempre acontece”, afirma. E completa: “Há pessoas que têm vocação para o sacerdócio, mas não para o celibato”.
Rodrigues concorda: “O celibato imposto provoca frustração, incômodos, mal-estar. E, conseqüentemente, ansiedade e um estresse crônico”. Certo. Mas existe outro problema. Ainda mais grave.

Em pele de cordeiro
A imposição do celibato e a pedofilia podem andar de mãos dadas. Expliquemos. A idéia de  não fazer sexo é um potencial atrativo para gente que quer fugir da própria sexualidade. Essas pessoas são aquelas com “conflitos sexuais”, como dizem os psicólogos. Pode ser um homossexual que acha sua preferência um pecado ou um pedófilo que não compreende seu desejo por crianças, por exemplo. “Esses conflitos podem fazer com que pessoas busquem ordens religiosas onde o celibato é obrigatório para se livrar do mal-estar que sentem”, diz Rodrigues.
Juntar essas contradições internas ao estresse do celibato é uma mistura explosiva. E ajuda a explicar por que existem tantos escândalos de pedofilia na Igreja.
Mas não é o suficiente. Para entendermos melhor o fenômeno, temos de olhar para as circunstâncias em que os abusos contra crianças acontecem.
Os atos de pedofilia não ocorrem na calada da noite, numa rua deserta. Os abusadores precisam ter acesso à intimidade da vítima e à confiança das pessoas em volta. Por isso aparentam ser pessoas sérias – afinal, quem vai confiar o filho a alguém que pareça um... pedófilo? Eles são, em geral, ou do círculo familiar – pai, parentes, vizinhos – ou profissionais insuspeitos, com livre acesso às crianças e posição de responsabilidade. Aí entram professores, instrutores de acampamento, líderes religiosos. Padres.
Em 2005, o governo da Irlanda encomendou um relatório para estudar o abuso de mais de 100 crianças por clérigos da diocese de Ferns, no sudeste do país. Muitos desses homens eram vistos como pessoas espirituais, bem-sucedidos e dedicados à sua paróquia. E é exatamente a imagem de pedófilos como pessoas sinistras que faz os abusos sexuais permanecer indetectáveis por muito tempo.
Como o pedófilo consegue chegar à vítima? Abusar sexualmente não é tão fácil quanto roubar pirulito. Segundo o relatório Ferns, em geral o abuso acontece depois de um longo e bem planejado processo. O agressor sempre cria as circunstâncias propícias, se tornando amigo das famílias com crianças. Para facilitar, ele procura crianças vulneráveis. Em casas assistenciais, por exemplo. E as intimida para obter o silêncio.
Tarcísio, o padre do diário, foi transferido de Agudos, São Paulo, para Anápolis, Goiânia. Lá conheceu um coroinha de 13 anos. Aproveitou a pobreza da família para convidá-lo a morar na paróquia. Um mês depois, passou a assediá-lo, tentar fazersexo. Um dia, o pré-adolescente chegou bêbado em casa e contou tudo à mãe. Então Sprícigo trocou de vítima: agora um garoto de 5 anos. Novamente, a música como isca: durante aulas de violão, o padre fazia o mesmo que fez com sua vítima de Agudos. Tentou até penetrá-lo, mas não conseguiu por causa dos gritos de dor da criança.
Para se proteger, o padre Tarcísio fazia suas vítimas jurar diante de uma imagem de Jesus Cristo que manteriam segredo. Atração e intimidação. Um dia, a criança chegou em casa dizendo: “Vovó, eu sei fazer amor”. A avó perguntou quem havia ensinado, mas a criança se recusava a contar – “Mamãe vai me bater”, dizia. Quando a avó a convenceu de que não apanharia, contou – “O padre Tarcísio me ensinou”. O sacerdote pressionou para que a família silenciasse. Mas não conseguiu.

Gays e a Igreja
O Relatório John Jay traz um dado intrigante: dos padres pedófilos, 64% abusaram somente de meninos, enquanto 22,6% abusaram somente de meninas. É o inverso do que acontece na população geral, em que mais meninas sofrem abuso. Seria então a porcentagem de homossexuais na Igreja maior do que fora?
Para o psicoterapeuta americano Richard Sipe, sim. Richard é um ex-padre casado com uma ex-freira missionária e que já foi professor, conselheiro e psicoterapeuta de mais de 1 000 clérigos com histórico de envolvimento sexual.
Com base em suas experiências, ele diz que metade dos padres mantém relações sexuais (como disse Aldo Terrin sobre os sacerdotes daqui). E mais: que 30% dos padres têm amantes mulheres; 15%, amantes homens; e cerca de 5% teriam “comportamentos problemáticos” (como a pedofilia) – uma proporção parecida com aquela do Relatório John Jay.
Se Sipe estiver certo, a porcentagem de gays ativos dentro da Igreja chega a ser em média o dobro do total de gays da sociedade brasileira. Segundo a maior pesquisa já feita no Brasil sobre o assunto, o Projeto Sexualidade, de 2004, 7,9% dos homens são homo ou bissexuais. É quase a metade do que Richard observa na Igreja.
A Igreja sabe da existência de padres homossexuais e isso preocupa o conservador Bento 16. Em novembro de 2005, o Vaticano aprovou uma instrução que fecharia as portas para os gays. Segundo ela, a Igreja não pode admitir ao seminário quem pratique atos homossexuais, que apresentem “tendências homossexuais profundamente arraigadas” ou que apóiem a cultura gay. E quem tiver tendências homossexuais “transitórias” precisa superá-las 3 anos antes de ser ordenado.
E o que dizer de padres homossexuais que seguem à risca o celibato? Eles existem, claro, assim como existem padres heterossexuais que seguem à risca o celibato. Mas seriam eles pecadores? Não necessariamente. O catecismo católico diz, por um lado, que atos homossexuais não podem ser aprovados em caso algum, pois a Sagrada Escritura os apresenta como pecados graves. Seriam “intrinsecamente desordenados”. Por outro, o catecismo afirma que pessoas com tedências homossexuais devem ser acolhidas com respeito e delicadeza, sem qualquer traço de discriminação.
Segundo o padre Edênio Valle em seu artigo A Igreja Católica ante a Homossexualidade, quase todos os estudiosos católicos de hoje concordam que atração pelo mesmo sexo não é uma opção, mas, sim, algo imposto pelo destino, assim como nascer homem ou mulher. Logo, não é uma questão moral nem há lugar para a culpa – ninguém é bom ou mau por ter sentimentos que não pode afastar de si. O pecado estaria na aceitação dos atos homossexuais. E não nos gays em si.
Que o diga o próprio Vaticano: um artigo da revista americana Newsweek conta que, segundo alguns funcionários da Santa Sé, a sede da Igreja teria uma comunidade gay “underground”. Como não sobreviveriam em suas paróquias, muitos padres homossexuais teriam sido levados para o Vaticano, onde receberiam alguma função burocrática.
Foi à sombra da Basílica de São Pedro, aliás, que aconteceu um dos maiores escândalos dos últimos tempos envolvendo homossexualidade na Igreja. Em outubro, o monsenhor Tommaso Stenico, alto funcionário da Congregação para o Clero, convidou um jovem que ele tinha conhecido num chat sadomasoquista na internet para uma visita a seu escritório, em pleno Vaticano. O que ele não sabia era que o rapaz estava fazendo uma reportagem sobre a vida sexual de sacerdotes para uma rede de TV. E que tinha entrado em sua sala com uma câmera escondida.
Stenico pergunta “Você gosta de mim?” e elogia a beleza do jovem. Quando vê que o bote do monsenhor é iminente, o repórter à paisana dispara: “Mas isso não seria um pecado aos olhos da Igreja?” Stenico diz que não. Depois se enche das recusas do rapaz e o leva embora. Não sem antes dizer “Você é muito gostoso...”
O programa não identificou o monsenhor. Mas os superiores dele reconheceram o escritório. E o Vaticano suspendeu-o imediatamente. Para se defender, Stenico disse que se fazia de gay para ajuntar informações sobre pessoas envolvidas num complô para seduzir padres à homossexualidade e desacreditar a Igreja.

Abusos contra mulheres
Os escândalos de sacerdotes gays e pedófilos chamam mais a atenção da imprensa, por motivos óbvios. Mas também há casos de abuso por parte de padres héteros.
Uma compilação deles está no estudo Desvelando a Política do Silêncio: Abuso Sexual de Mulheres por Padres no Brasil, da socióloga Regina Soares Jurkewicz. Seu conteúdo é tão explosivo que, após dar entrevista a uma revista, foi demitida do Instituto de Teologia da diocese de Santo André, SP, onde trabalhou por 8 anos.
Jurkewicz analisou 21 casos de abuso sexual contra mulheres por clérigos entre 1994 e 2002 – 17 deles envolvendo meninas entre 9 e 16 anos. Chegou à conclusão de que abusadores escolhem mulheres pobres, com dificuldade de se expressar, sem consciência de direitos e com vida considerada moralmente “dúbia” – em outras palavras, pegam aquelas menos prováveis a denunciá-los e com menos credibilidade caso o façam.
O estudo diz que, enquanto a cúpula da Igreja mantém-se silenciosa, preocupada em saber se o clérigo está disposto a pedir perdão a Deus e, principalmente, em manter a imagem da instituição, as comunidades em que ocorrem denúncias de abuso sexual por parte de seus padres “oscila entre compreendê-los, aceitar seu comportamento, duvidar das denunciantes e até responsabilizá-las – afinal, podem ter seduzido o sacerdote, um homem celibatário por definição”.
A conclusão de Jurkewicz é que as práticas ilegais masculinas são toleradas pelas comunidades e pronto. Mesmo que feitas por padres. E cita o caso de um sacerdote flagrado como cliente de uma rede de prostituição juvenil desmantelada pela polícia. Nesse caso, um fazendeiro defendeu o padre, seu amigo, e debochou: “Que mandem um padre bicha para a cidade para acabar com o problema”.
Não são só os amigos que ajudam. Sempre que algum sacerdote está metido em confusão existe a pecha de que a Igreja o protege da Justiça. Mas até que ponto isso é verdade?

E o Vaticano?
Seria absurdo dizer que o catolicismo apóia abusos sexuais. O direito canônico, isto é, a lei da Igreja Católica, coloca os pecados dessa estirpe entre os mais sérios, junto com o homicídio. No entanto, a cúpula da Igreja parte do pressuposto de que só ela deve julgar os pecados cometidos por seu clero, e isso dificulta que os crimes sexuais sejam levados à Justiça. “A responsabilidade sobre o padre [acusado de má conduta sexual] é do bispo da diocese a que ele pertence”, diz o padre Geraldo Martins, assessor de comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Em casos graves, o padre é expulso da Igreja.
Em 1962, o papa João 23 teria enviado a bispos e arcebispos do mundo todo um documento secreto chamado Crimen Sollicitationis. Ele instruía os chefes da Igreja a lidar com padres que abusaram de crianças e impunha um alto grau de segredo a todos os envolvidos nesses casos. A pena para quem abrisse a boca era a excomunhão automática – incluindo as testemunhas e os acusadores.
Em Crimen Sollicitationis, se a acusação fosse considerada infundada, todos os documentos com essa acusação deveriam ser destruídos. Se houvesse alguma prova vaga, o caso seria arquivado até a chegada de uma evidência contundente de fato. Já se a prova fosse forte, mas insuficiente, o acusado levaria uma advertência e o processo seria mantido sob observação. Caso a prova fosse definitiva, o acusado seria levado a um julgamento dentro da Igreja.
Em 2001, o papa João Paulo 2o publicou o Sacramentorum Sanctitatis Tutela, esboçando novas normas para graves ofensas. Em seguida, a Congregação para a Doutrina da Fé discutiu e explicou essas normas numa carta a todos os chefes religiosos do mundo, assinada  pelo então cardeal Joseph Ratzinger, hoje Bento 16.
Segundo essa carta, a Congregação, no Vaticano, continuaria a ter competência exclusiva em relação a certas ofensas graves – entre elas, as ofensas sexuais com menores de 18 anos.
Mas, apesar da exposição cada vez maior na mídia, os crimes sexuais estão diminuindo. Essa é mais uma das conclusões do Relatório John Jay. Ele mostra que padres ordenados na década de 1960, por exemplo, cometeram 25,3% dos abusos sexuais contra crianças entre 1950 e 2002. Os que entraram para a Igreja nos anos 70 respondem por 19,6%. E a queda continua. Só 8,4% dos crimes são obra de padres ordenados nos 80. Os mais jovens, que entraram de 1990 em diante, formam apenas 2,3% do total.
Mas o que explica essa queda?

Paz na terra
Um dos motivos para a melhora está nos programas de tratamento de desordens psicossexuais de clérigos. Até os anos 50, a atividade sexual do padre era vista como um problema exclusivamente moral ou espiritual, segundo Richard Sipe. Homossexualidade e pedofilia eram “tratados” apenas com a transferência de paróquia ou com “renovações espirituais”.
Depois, passaram do campo somente moral e espiritual para o científico. Finalmente, foi reconhecida sua dimensão psicológica. Em 1976, a congregação religiosa americana Serventes do Paracleto abriu o primeiro programa para tratamento de desordens psicossexuais, o que incluía abuso de menores. O tratamento ficou tão high-tech que padres que não respondem à terapia convencional recebem uma castração química com o medicamento Depo-Provera, que diminui os níveis de testosterona e, conseqüentemente, a libido em homens. Ironicamente, o Depo-Provera é um anticoncepcional, tão combatido pela Igreja Católica.
No Brasil, o mais importante centro de tratamento de padres é o Instituto Terapêutico Acolher, presidido pelo padre. Edênio Valle, professor de psicologia da religião da PUC-SP. De acordo com Eliana Massih, existe uma grande preocupação da Igreja Católica sobre sexualidade e desvios de conduta associados. Além da assessoria de psicólogos, há a publicação de artigos sobre sexualidade em periódicos como a Revista Eclesiástica Brasileira, com circulação entre o clero.
Mas a Igreja consegue mesmo garantir que seminaristas escolham a vida sacerdotal como algo bom para si, em vez de uma fuga de sua sexualidade? “Não completamente. Mas em grande parte sim”, diz Massih. Hoje, a Igreja faz uma “operação pente-fino” antes de admitir um seminarista, com uma sabatinada de avaliações psicológicas.
Outro ponto que ajuda é a própria conscientização dos clérigos para não deixar que crimes de seus colegas passem em branco. “Hoje, qualquer padre responsável e consciente de seus deveres toma as medidas necessárias segundo a lei”, diz o padre Edênio.
Segundo a lei e segundo a própria fé cristã, que reza: não faça ao outro aquilo que não quer que façam com você.
Aconteceu em Mariana (MG). O padre Bonifácio Buzzi, na época com 41 anos, foi denunciado e preso por levar um garoto de 11 anos à beira de um rio “para pescar” – na verdade, ele passou um longo tempo fazendo sexo oral na criança e tentou comprar-lhe o silêncio com R$ 5. Foi a 2a denúncia contra o padre – 13 anos antes, ele teria molestado um menino de 5 anos e outro de 11.
Causo de pescador - Abril de 2002
Em São João do Triunfo (PR), o padre Jacinto César Parachuk, na época com 35 anos, foi preso em flagrante por molestar um garoto de 14 anos. Ao depor, o menino disse ter sido atraído por uma oferta de R$ 10 para cortar grama. Dois anos antes, outra acusação de abuso havia provocado a expulsão do padre do quartel do Exército em Uruguaiana, RS, onde foi capelão.
Dose dupla - Maio de 2003
Diretor de uma casa de assistência na região de Sorocaba (SP), o padre Alfieri Eduardo Bompani, de 62 anos, abusou de 13 crianças entre 6 e 10 anos. Ele chegou a registrar os casos em uma pasta de seu computador chamada “Contos Homossexuais”. Em 2003, foi condenado a 93 anos de prisão. AIgreja Católica terá de desembolsar R$ 3,2 milhões em indenizações às vítimas.
Diário macabro - Agosto de 2006
Uma câmera de celular flagrou o padre Sebastião Braga fazendo sexo com um garoto de 11 anos na casa paroquial de Comendador Gomes, MG. O padre, acusado de abusar sexualmente de 6 garotos, confessou os crimes e disse ter feito tudo inconscientemente. Ao deporem, duas crianças contaram que o padre pagava às vítimas de R$ 10 a R$ 80.
No celular - Dezembro de 2006
O padre Djalma Brito Mota, de Ichu, BA, foi sentenciado a 7 anos e 7 meses de prisão por corromper adolescentes em 2005 e 2006. Em 2005, levou o adolescente J.N.S. para fazer um exame oftalmológico em Feira de Santana. Na volta, trocou carícias com ele. Um dia depois, pagou R$ 10 para que o garoto e um amigo participassem de uma pequena orgia na casa paroquial.
De olhos abertos - Outubro de 2007
Na época com 40 anos, o padre Paulo Sérgio Maria Barbosa foi flagrado com um adolescente de 14 anos dentro de um Gol, num canavial em Corumbataí (interior de SP). No carro havia 48 fotos de meninos, camisinhas e uma revista com capa sobre pedofilia. Dom Eduardo Koaik, bispo de Piracicaba, levantou a suspeita de armação. “O padre é respeitoso com todas as pessoas”, afirmou.
No carnaval - Maio de 2002
Foi na frente de um drive-in em Marília (SP) que o pai de duas meninas, de 15 e 16, surpreendeu José Balikian. O padre se relacionava com as duas havia um ano e meio. Foi preso após o pai apresentar 150 e-mails enviados pelo religioso às garotas.
No Drive-in - Junho de 2005
Fonte: SuperInteressante  



sexta-feira, 15 de março de 2013

URGENTE: PRECISAMOS PROTEGER NOSSAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES!


Escrevo este texto tendo diante de mim o artigo da Folha.com de ontem que traz a notícia de que o STJ (Superior Tribunal de Justiça), tratando sobre o tema de estupro de vulneráveis, em sua “Terceira Seção da Corte decidiu que atos sexuais com menores de 14 anos podem não ser caracterizados como estupro, de acordo com o caso.”


“O tribunal entendeu que não se pode considerar crime o ato que não viola o bem jurídico tutelado, no caso, a liberdade sexual. No processo analisado pela seção do STJ, o réu é acusado de ter estuprado três menores, todas de 12 anos. Tanto o juiz que analisou o processo como o tribunal local o inocentaram com o argumento de que as crianças ‘já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data’."Ou seja, porque essas crianças já se prostituíam para sobreviver dentro de um sistema incapaz de lhes garantir o mínimo para uma vida digna, agora esta realidade se torna uma justificativa para considerar inocente quem se aproveita desta situação para explorá-las e abusar delas??
Não entendo mesmo os rumos deste país!!
Vejam: uma criança entra no mundo da prostituição não por escolha própria, mas por pressão da realidade em que se encontra. Ela, uma vez desamparada pela família e pelo Estado, vai procurar meios de sobrevivência, muitas vezes caindo na prostituição por incentivo ou influência de quem já vive desta realidade, ou pior, forçada por adultos que querem explorá-la.
Deste modo, essas crianças se tornam vítimas, exploradas por aqueles que ganham em cima de sua prostituição. E os que pagam para ter relações com elas o fazem por desejar estar com menores, mas sabem que socialmente seria considerado crime (pedofilia ou estupro, por exemplo,), por isso se escondem debaixo do sexo pago, dos meios sombrios do mundo da prostituição, para satisfazer seus desejos.
As crianças são vítimas, mesmo estando no mundo da prostituição e tendo um histórico nesta realidade, ainda assim, elas são vítimas exploradas e abusadas.
Falo como cidadão e como padre comprometido com o projeto de Deus que é um projeto de amor e de vida digna para todos. Por isso, gostaria de convidar a todos a dar apoio a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário que está empenhada em combater esta decisão do STJ.
Segundo a reportagem a ministra afirmou que “ ‘Essa decisão [do STJ] significa constituir um caminho de impunidade’ ”. Ainda a mesma reportagem apresentou que “Maria do Rosário disse ainda que vai entrar em contato com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e com o advogado-geral da União, Luiz Inácio Adams, para tratar do caso e buscar ‘medidas jurídicas cabíveis’. ‘Estamos revoltados, mas conscientes. Vou analisar a situação com o doutor Gurgel e com o Advogado-Geral da União para ter um posicionamento’ ".
Como cidadãos que desejam uma sociedade que proteja e promova a vida de nossas crianças e adolescentes, como cristãos comprometidos com o evangelho que nos ensina que devemos proteger os pequeninos e condena quem os prejudica, não podemos nos calar. Precisamos nos manifestar por todos os meios possíveis, pois se esta decisão se torna jurisprudência para outros casos similares teremos criado um caminho de impunidade, como disse a ministra, para aqueles que roubam dessas crianças e adolescentes o direito de crescer com dignidade.
Vamos mandar e-mails, twiters, mensagens no facebook, escrever nos blogs e em todos os meios possíveis. Vamos manifestar nossa indignação e o nosso não a esta decisão, pois se não nos manifestamos agora choraremos mais tarde a nossa omissão vendo a infância roubada e destruída de tantas crianças e adolescentes.


Pe. Augusto Lívio

PROTEGER NOSSAS CRIANÇAS É PROTEGER A SOCIEDADE COMO UM TODO

De acordo com os pesquisadores o abuso sexual infantil é um problema de saúde pública, devido à elevada incidência epidemiológica e aos sérios prejuízos para o desenvolvimento das vítimas. Mas, eu vou além. Na minha avaliação, as consequências negativas dessa prática não se limitam às crianças vitimadas, mas afetam toda a sociedade. Centenas de crianças são abusadas no Brasil por dia. Apenas violações registradas. Estima-se que as vítimas silenciosas sejam mais que o dobro das estatísticas oficiais. Segundo os psicólogos o abuso traz sérias consequências para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da vítima com mudanças de comportamento da criança, incluindo conduta hipersexualizada, fugas do lar, diminuição no rendimento escolar, uso de drogas, conduta delinquente e predisposição ao desenvolvimento de psicopatologias, me pergunto que tipo de sociedade estamos formando. É necessário agilizarmos a reação, porque os estudos comprovam que os abusadores replicam a conduta da qual foram vítimas. E nesse caso o melhor remédio chama-se prevenção. Cada vez que alertamos uma criança e impedimos que um abuso sexual se concretize, estamos salvando uma vida e auxiliando para a criação de uma sociedade melhor. Aproveito esta postagem para conclamar todas as pessoas a se unirem nessa cruzada para mudar a realidade cruel que aponta que uma em cada quatro meninas e um em cada 10 meninos é vítima de violência sexual antes de completar a maioridade. A caminhada é difícil? É. Mas, como diz o conhecido provérbio chinês, uma caminhada de mil léguas começa com o primeiro passo, e o caminho a nossa frente, aguarda por nós.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Delinquência Juvenil e Exclusão Social…O que as Políticas e os Políticos podem fazer???


Delinquência Juvenil e Exclusão Social…O que as Políticas e os Políticos podem fazer???

1. Enquadramento
Nos dias de hoje, como todos sabemos, a Globalização e o rápido desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação têm provocado mudanças profundas em todas as esferas sociais, acarretando problemas sociais diversos de entre os quais se destaca a delinquência juvenil. Em Cabo Verde, em particular, este fenómeno tem ganhado contornos alarmantes que tem preocupado não somente as autoridades policiais e judiciais, mas sim a sociedade no seu todo. O clima de insegurança hoje alimentado pelos “Thugs”, paralelamente aos vários casos de homicídios e agressões físicas por eles levados a cabo têm despertado a necessidade de se adoptar mecanismos e estratégias eficazes de intervenção e de acção, no sentido de por cobro à esta situação, criando assim um ambiente social sadio e de maior tranquilidade e segurança, onde, de facto, as pessoas possam usufruir da liberdade, no bom sentido da palavra.
Neste sentido, a Delinquência Juvenil, associada a complexas consequências sociais, tem merecido aprofundados estudos e investigações que se estendem pelos diversos domínios das ciências sociais e humanas como a psicologia, a sociologia e o direito. É frequente e cada vez mais generalizado, o discurso que confirma o facto de haver um crescente número de transgressões cometidas por jovens, classificadas como Delinquência Juvenil e que constituem um problema social grave com tendência a aumentar drasticamente de frequência e intensidade.
Como também é do nosso conhecimento, por falta de estudos específicos nessa matéria, principalmente no nosso país, muitas afirmações infundadas [senso comum], baseadas, maioritariamente, em observações irrisórias, se têm feito, propiciando assim um ambiente social de muitas incertezas e irrealidades à volta da problemática da Delinquência Juvenil, que nem mais nem menos são meras representações sociais.
2. A Delinquência Juvenil enquanto um problema sociológico
Com efeito, o grande desafio que se coloca à sociologia tem a ver, essencialmente, com a desconstrução [desmistificação] sociológica de alguns aspectos da construção social (ideológica) da Delinquência Juvenil. E é essa desconstrução da Delinquência Juvenil como representação social (do senso comum) que acabará por se revelar como uma construção sociológica, isto é, científica e objectiva dessa problemática. Neste caso, a representação social da Delinquência Juvenil dará lugar à realidade sociologicamente construída.
Nesta ordem de ideias, em consonância com as afirmações supracitadas e reconhecendo-se que o combate à delinquência juvenil deve começar na infância e não quando o indivíduo já atingiu a maturidade suficiente para distinguir o que é legal e o que não é, muito menos fazer o adulto retornar à infância para começarmos todo processo. Consideramos pertinente desenvolver o presente estudo visando, em primeiro lugar, esclarecer algumas dúvidas e inquietações em relação à temática em análise á luz de algumas interpretações sociológicas e, em segundo lugar, apresentar algumas medidas e procedimentos eficazes de intervenção, que propendem debelar este fenómeno, no nosso país. Nesta perspectiva, emergiu a ideia de desenvolver uma pesquisa científica, que propõe trabalhar de forma particular sobre os factores sociais e psicológicos que estão na base da Delinquência Juvenil na Cidade da Praia.
Assim, como nos diz Quivy e Campenhoudt, a pergunta de partida constitui-se o primeiro fio condutor para a realização da nossa investigação. Para a nossa pesquisa em particular formulamos a seguinte pergunta de partida.
3. Pergunta de Partida
    ▪ Que factores sociais e psicológicos estão não base da Delinquência Juvenil na Cidade da Praia?
Formulada essa pergunta, sentimos a necessidade de elaborar as hipóteses que serão sujeitas a verificação ao longo desta investigação.
4. Hipóteses
   1) A influência do grupo sobre os jovens condiciona determinados comportamentos, tais como roubo, consumo de substâncias, abandono escolar; 
   2) O desemprego constitui-se num factor social para a Delinquência Juvenil; 
   3) A baixa autoestima e a falta de orientação socioeducativa podem-se constituir factores psicológicos para a entrada no mundo da delinquência juvenil; 
   4) A pobreza e o baixo nível socioeconómico também podem levar os jovens a entrarem num mundo da Delinquência Juvenil como forma de obterem o seu sustento.

A definição dos objectivos constitui também uma etapa muito importante no processo da investigação, uma vez que possibilita-nos definir de forma mais clara o que pretendemos alcançar com a realização da pesquisa. Nesta lógica de raciocínio, para a nossa pesquisa delineámos os seguintes objectivos.
5. Objetivos do trabalho
5.1. Objetivo geral
    ▪ Estudar os factores sociais e psicológicos que estão na base da Delinquência Juvenil na Cidade da Praia.
5.1.1. Objectivos específicos
   1) Fazer a caracterização do fenómeno da Delinquência Juvenil em Cabo Verde; 
   2) Identificar a relação existente entre o fenómeno da Delinquência Juvenil em Cabo Verde e a situação socioeconómica dos jovens em situação de risco; 
   3) Compreender a percepção das pessoas em relação ao fenómeno da Delinquência Juvenil na cidade da Praia; 
   4) Conhecer as estratégias adoptadas e os planos de intervenção das autoridades policiais e judiciais para fazer face à essa problemática.

6. Metodologia
A pesquisa científica sendo um processo sistemático, organizado e metódico pressupõe a adopção de métodos e técnicas e procedimentos de recolha e análise dos dados recolhidos no terreno, bem como a regras de redação e estruturação, que lhe conferem qualidade, rigor e cientificidade.
Nesta ordem de ideias, como forma de viabilizarmos o nosso estudo recorreremos a:
    ❖ Pesquisas bibliográfica, sitográfica e documental, de forma a construirmos um modelo teórico que servisse de suporte para a parte prática, cujas referências e sítios serão indicadas na parte bibliográfica deste trabalho.
    ❖ Realização de um inquérito por questionário aos jovens em situação de risco e às famílias, no sentido de compreendermos as principais razões que estão na base da opção para o mundo da Delinquência Juvenil.
    ❖ Realizar entrevistas com intervenientes das principais estruturas que lidam directamente com o problema da Delinquência Juvenil, designadamente, os centros de reabilitação social, o comando regional da Policia Nacional, as escolas de ensino secundário, universidades, visando, por um lado, melhor caracterizar o problema e, por outro, conhecer as suas estratégias e medidas de intervenção para por cobro a situação.
    ❖ Ouvir a explicação e análise de alguns psicólogos e sociólogos sobre os nuances e a complexidade desse fenómeno.
7. Estrutura do trabalho
No que se refere à estruturação, para uma melhor compreensão deste trabalho, consideramos pertinente organizá-lo em três capítulos, contendo além da introdução e conclusão, as referências bibliográficas, sitográficas e documentais consultadas e alguns anexos. No primeiro capítulo destinado à fundamentação teórica construído com base nas premissas e perspectivas de alguns autores que retratam a problemática da Delinquência Juvenil. No segundo capítulo contextualizamos a problemática da Delinquência Juvenil em Cabo Verde
No terceiro e último capítulo, dirigido à parte prática do trabalho discorreremos sobre a análise e interpretação e análise dos dados empíricos.
Capítulo 1
A Delinquência Juvenil – conceito, causas e consequências
O estudo das causas e consequências da Delinquência Juvenil é de suma importância, na medida em que por meio delas se pode delinear estratégias e medidas mais adequadas para o seu combate. Neste capítulo iremos discorrer sobre a conceitualização e algumas das principais causas e consequências desse fenómeno social à luz de interpretações psicológicas e sociológicas e perspectivas de alguns autores.
Quanto à significação, a delinquência juvenil refere-se aos actos criminosos cometidos por menores de idade. Muitos países possuem procedimentos legais e punições diferentes (no geral mais atenuados) em relação aos delinquentes juvenis, em relação a criminosos maiores de idade.
Como é do nosso conhecimento, o mundo actual evolui constantemente, fazendo nascer novas formas de condutas anti-sociais e criminosas desconhecidas anteriormente. Na maioria das vezes, o jovem que está à margem dessa evolução da sociedade, que é uma sociedade tanto quanto “criminológica”, tenta buscar o prazer, a realização pessoal, como se adulto fosse.
Para Shaw e Mckay, autores citados por Walters (1976), o ambiente social tem uma grande influência no desenvolvimento de comportamentos agressivos, pois admitem que se desenvolvem numa área cercada pelo crime e delinquência, podem adoptar padrões subculturais predominantes, “mesmo que seus pais não sejam violentos ou contra a lei”.
Friedlander (1972) também é de opinião que os factores determinantes da conduta anti-social encontram-se na relação da criança com os pais, que só uma boa relação com estes e, em especial com a mãe, é que pode equilibrar as deficientes condições ambientais, o que é explicável, já que somente alguns indivíduos, mesmo nas classes económicas baixas, enveredam pelo caminho do crime.
Como efeito, é sabido que os adolescentes, em vez de estarem em escolas ou creches, estão pelas ruas, perambulando em busca de um pára-brisa para limpar, de um sapato para engraxar, etc., na tentativa de conseguirem algo para a sua subsistência. Outro factor deprimente é observado quando essas crianças, que são, muitas vezes, colocadas nas ruas pelos próprios pais para que possam obter um acréscimo à renda familiar, se não conseguem corresponder às expectativas destes, na maioria alcoólatras, maníacos, são espancadas, maltratadas, surgindo, assim, nos menores uma revolta para com os familiares e à sociedade, que irá reflectir no seu ingresso à criminalidade.
Segundo Friedlander (1972) citado por Fonseca os factores determinantes da conduta anti-social encontram-se na relação da criança com os pais, que só uma boa relação com estes e, em especial com a mãe, é que pode equilibrar as deficientes condições ambientais, o que é explicável, já que somente alguns indivíduos, mesmo nas classes económicas baixas, enveredam pelo caminho do crime.
Do ponto de vista sociológico, conforme Ventura (1999), as teorias da aprendizagem social, defendem a influência do grupo sobre os jovens, mostrando que a conformidade jovem/grupo condiciona determinados comportamentos, tais como: roubo, consumo de substâncias, abandono escolar, etc. Da mesma forma, Benavente (s/d) citando Rae-Grant, McConville, Kenned, Vaughan e Steiner (1999) ressalta que a influência do ambiente no aparecimento de comportamentos desviantes é, ainda, defendida por, considerando como factores de risco a existência de violência doméstica ou no bairro, o abuso de álcool, o envolvimento no tráfico de droga, a posse de arma e a associação com adolescentes e/ou adultos delinquentes.
Para além dos processos de socialização e das explicações facultadas pelas teorias da aprendizagem social, a formação de «gangs», pode, em alguns contextos, tornar-se vital sendo, segundo Digneffe (1989) citado por Benavente (s/d), uma forma de organização num universo desorganizado.
Sob um olhar psicológico, no período da adolescência, o estabelecimento do diagnóstico de Delinquência Juvenil deverá ter em consideração as questões que torneiam os processos normais de transgressão, sem qualquer expressão patológica, devendo, a todo o custo evitar-se a estigmatização do jovem que poderá ter consequências dramáticas. Assim, para Paiva e Sousa (1983) e Marques (1995) é importante ter em conta uma análise da história clínica adolescente, a intensidade, persistência, a rigidez e a repetição das condutas.
Nesta lógica, Benavente (s/d) citando Kernberg (1995), o comportamento anti-social indica a presença de mentiras, furtos, falsificações, fraudes e prostituição são incluídos numa tipologia predominantemente passivo-parasita e os assaltos, violações assassinatos e roubos à mão armada, característicos do comportamento de tipo agressivo. É, portanto, possível diferenciar clinicamente a orientação comportamental agressiva, sádica e, com frequência, paranóide de indivíduos com transtorno anti-social de personalidade, do tipo passivo, espoliativo e parasítico. Em pacientes com situação socioeconómica e cultural favorável e níveis médios.
Em jeito de conclusão, podemos assinalar que são causas indiscutíveis da delinquência juvenil a miséria em que nascem as crianças, a falta de educação pré-escolar, de centros de recreação, de orientação profissional, a falta de emprego e o fácil acesso às drogas. É importante colocar, também, a situação das crianças órfãs de pai e mãe que são de total responsabilidade do Estado e da sociedade, que, principalmente no que se refere ao papel do governo, têm-se mostrado incompetentes e desinteressados em propiciar a crianças e a todos no geral, um nível de vida melhor.
Capítulo 2
A Problemática da Delinquência Juvenil em Cabo Verde
No capítulo anterior discorremos sobre a acepção, causas e consequências da Delinquência Juvenil na óptica de alguns autores e segundo as interpretações psicologias e sociológicas. Por agora, iremos contextualizar essa problemática no contexto social cabo-verdiano.
Em Cabo Verde, o fenómeno da Delinquência Juvenil ganhou contornos alarmantes, nos últimos anos, causando muita dor de cabeça às autoridades e à própria sociedade. Não é menos verdade que os “caço-bodes” têm tirado a paz e a tranquilidade às pessoas, propiciando um ambiente social de maior insegurança. Sobre este particular, podemos afirmar que a carência de estudos nesta área se tem constituído numa das grandes fragilidades para a compreensão da complexidade deste fenómeno.
De acordo com o estudo promovido pelo serviço de Reinserção Social do Ministro da Justiça sobre a situação dos jovens em conflito com a lei em Cabo Verde, a subcultura da violência, a privação parental, a vulnerabilidade familiar, a exclusão social, a ambivalência de referências de conduta e convivência sociais, o défice de autoridade e de protecção e os atributos de personalidade são factores que possibilitam o fenómeno da delinquência juvenil, em Cabo Verde.
O mesmo estudo revela que dos adultos inquiridos na cidade da praia, 42,4% se declararam ter sido vítima de violência e, em 76,6% dos casos, o acto foi praticado por um jovem.
Da mesma forma, o estudo revela um cenário de extrema debilidade da família enquanto instância de socialização, de transmissão de valores e de afecto. Por esta razão, a família, constitui um dos factores chave de encaminhamento do jovem para a delinquência. A sua deficiente presença ou sua ausência total tem repercussão imediata sobre a identidade social, sobre a auto-percepção e sobre o quadro de oportunidades para os jovens.
Por outro lado, o estudo declara que a conduta delituosa dos jovens é tanto maior quanto há privação parental, uma vez que, os jovens desprovidos de um suporte comportamental adequado, dificilmente poderão incorporar modelos convencionais de interacção, necessários à sua inserção social e á sua afirmação como sujeitos. Neste sentido, é patente a existência de uma grande maioria de jovens em situação real ou potencial de conflito com a Lei a viver num quadro de ruptura dos laços familiares, a prevalência de famílias de tipo monoparental, formada por pais solteiros (cerca de 33%) ou em união de facto (40%).
De acordo com dados obtidos junto da Policia Nacional, tivemos a oportunidade de constatar que na cidade da Praia, a maior parte dos crimes são cometidos por jovens com a idade compreendida entre os 16 e 30 anos. Dos 1.286 casos registados, 7 foram cometidos por indivíduos menores de 16 anos, 213 por jovens com a idade compreendida entre 16-20 anos e os restantes 1.066 casos foram cometidos por indivíduos com a idade compreendida entre 21 e 30 anos de idade.