CRIANÇAS DESAMPARADAS

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Delinquência Juvenil e Exclusão Social…O que as Políticas e os Políticos podem fazer???


Delinquência Juvenil e Exclusão Social…O que as Políticas e os Políticos podem fazer???

1. Enquadramento
Nos dias de hoje, como todos sabemos, a Globalização e o rápido desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação têm provocado mudanças profundas em todas as esferas sociais, acarretando problemas sociais diversos de entre os quais se destaca a delinquência juvenil. Em Cabo Verde, em particular, este fenómeno tem ganhado contornos alarmantes que tem preocupado não somente as autoridades policiais e judiciais, mas sim a sociedade no seu todo. O clima de insegurança hoje alimentado pelos “Thugs”, paralelamente aos vários casos de homicídios e agressões físicas por eles levados a cabo têm despertado a necessidade de se adoptar mecanismos e estratégias eficazes de intervenção e de acção, no sentido de por cobro à esta situação, criando assim um ambiente social sadio e de maior tranquilidade e segurança, onde, de facto, as pessoas possam usufruir da liberdade, no bom sentido da palavra.
Neste sentido, a Delinquência Juvenil, associada a complexas consequências sociais, tem merecido aprofundados estudos e investigações que se estendem pelos diversos domínios das ciências sociais e humanas como a psicologia, a sociologia e o direito. É frequente e cada vez mais generalizado, o discurso que confirma o facto de haver um crescente número de transgressões cometidas por jovens, classificadas como Delinquência Juvenil e que constituem um problema social grave com tendência a aumentar drasticamente de frequência e intensidade.
Como também é do nosso conhecimento, por falta de estudos específicos nessa matéria, principalmente no nosso país, muitas afirmações infundadas [senso comum], baseadas, maioritariamente, em observações irrisórias, se têm feito, propiciando assim um ambiente social de muitas incertezas e irrealidades à volta da problemática da Delinquência Juvenil, que nem mais nem menos são meras representações sociais.
2. A Delinquência Juvenil enquanto um problema sociológico
Com efeito, o grande desafio que se coloca à sociologia tem a ver, essencialmente, com a desconstrução [desmistificação] sociológica de alguns aspectos da construção social (ideológica) da Delinquência Juvenil. E é essa desconstrução da Delinquência Juvenil como representação social (do senso comum) que acabará por se revelar como uma construção sociológica, isto é, científica e objectiva dessa problemática. Neste caso, a representação social da Delinquência Juvenil dará lugar à realidade sociologicamente construída.
Nesta ordem de ideias, em consonância com as afirmações supracitadas e reconhecendo-se que o combate à delinquência juvenil deve começar na infância e não quando o indivíduo já atingiu a maturidade suficiente para distinguir o que é legal e o que não é, muito menos fazer o adulto retornar à infância para começarmos todo processo. Consideramos pertinente desenvolver o presente estudo visando, em primeiro lugar, esclarecer algumas dúvidas e inquietações em relação à temática em análise á luz de algumas interpretações sociológicas e, em segundo lugar, apresentar algumas medidas e procedimentos eficazes de intervenção, que propendem debelar este fenómeno, no nosso país. Nesta perspectiva, emergiu a ideia de desenvolver uma pesquisa científica, que propõe trabalhar de forma particular sobre os factores sociais e psicológicos que estão na base da Delinquência Juvenil na Cidade da Praia.
Assim, como nos diz Quivy e Campenhoudt, a pergunta de partida constitui-se o primeiro fio condutor para a realização da nossa investigação. Para a nossa pesquisa em particular formulamos a seguinte pergunta de partida.
3. Pergunta de Partida
    ▪ Que factores sociais e psicológicos estão não base da Delinquência Juvenil na Cidade da Praia?
Formulada essa pergunta, sentimos a necessidade de elaborar as hipóteses que serão sujeitas a verificação ao longo desta investigação.
4. Hipóteses
   1) A influência do grupo sobre os jovens condiciona determinados comportamentos, tais como roubo, consumo de substâncias, abandono escolar; 
   2) O desemprego constitui-se num factor social para a Delinquência Juvenil; 
   3) A baixa autoestima e a falta de orientação socioeducativa podem-se constituir factores psicológicos para a entrada no mundo da delinquência juvenil; 
   4) A pobreza e o baixo nível socioeconómico também podem levar os jovens a entrarem num mundo da Delinquência Juvenil como forma de obterem o seu sustento.

A definição dos objectivos constitui também uma etapa muito importante no processo da investigação, uma vez que possibilita-nos definir de forma mais clara o que pretendemos alcançar com a realização da pesquisa. Nesta lógica de raciocínio, para a nossa pesquisa delineámos os seguintes objectivos.
5. Objetivos do trabalho
5.1. Objetivo geral
    ▪ Estudar os factores sociais e psicológicos que estão na base da Delinquência Juvenil na Cidade da Praia.
5.1.1. Objectivos específicos
   1) Fazer a caracterização do fenómeno da Delinquência Juvenil em Cabo Verde; 
   2) Identificar a relação existente entre o fenómeno da Delinquência Juvenil em Cabo Verde e a situação socioeconómica dos jovens em situação de risco; 
   3) Compreender a percepção das pessoas em relação ao fenómeno da Delinquência Juvenil na cidade da Praia; 
   4) Conhecer as estratégias adoptadas e os planos de intervenção das autoridades policiais e judiciais para fazer face à essa problemática.

6. Metodologia
A pesquisa científica sendo um processo sistemático, organizado e metódico pressupõe a adopção de métodos e técnicas e procedimentos de recolha e análise dos dados recolhidos no terreno, bem como a regras de redação e estruturação, que lhe conferem qualidade, rigor e cientificidade.
Nesta ordem de ideias, como forma de viabilizarmos o nosso estudo recorreremos a:
    ❖ Pesquisas bibliográfica, sitográfica e documental, de forma a construirmos um modelo teórico que servisse de suporte para a parte prática, cujas referências e sítios serão indicadas na parte bibliográfica deste trabalho.
    ❖ Realização de um inquérito por questionário aos jovens em situação de risco e às famílias, no sentido de compreendermos as principais razões que estão na base da opção para o mundo da Delinquência Juvenil.
    ❖ Realizar entrevistas com intervenientes das principais estruturas que lidam directamente com o problema da Delinquência Juvenil, designadamente, os centros de reabilitação social, o comando regional da Policia Nacional, as escolas de ensino secundário, universidades, visando, por um lado, melhor caracterizar o problema e, por outro, conhecer as suas estratégias e medidas de intervenção para por cobro a situação.
    ❖ Ouvir a explicação e análise de alguns psicólogos e sociólogos sobre os nuances e a complexidade desse fenómeno.
7. Estrutura do trabalho
No que se refere à estruturação, para uma melhor compreensão deste trabalho, consideramos pertinente organizá-lo em três capítulos, contendo além da introdução e conclusão, as referências bibliográficas, sitográficas e documentais consultadas e alguns anexos. No primeiro capítulo destinado à fundamentação teórica construído com base nas premissas e perspectivas de alguns autores que retratam a problemática da Delinquência Juvenil. No segundo capítulo contextualizamos a problemática da Delinquência Juvenil em Cabo Verde
No terceiro e último capítulo, dirigido à parte prática do trabalho discorreremos sobre a análise e interpretação e análise dos dados empíricos.
Capítulo 1
A Delinquência Juvenil – conceito, causas e consequências
O estudo das causas e consequências da Delinquência Juvenil é de suma importância, na medida em que por meio delas se pode delinear estratégias e medidas mais adequadas para o seu combate. Neste capítulo iremos discorrer sobre a conceitualização e algumas das principais causas e consequências desse fenómeno social à luz de interpretações psicológicas e sociológicas e perspectivas de alguns autores.
Quanto à significação, a delinquência juvenil refere-se aos actos criminosos cometidos por menores de idade. Muitos países possuem procedimentos legais e punições diferentes (no geral mais atenuados) em relação aos delinquentes juvenis, em relação a criminosos maiores de idade.
Como é do nosso conhecimento, o mundo actual evolui constantemente, fazendo nascer novas formas de condutas anti-sociais e criminosas desconhecidas anteriormente. Na maioria das vezes, o jovem que está à margem dessa evolução da sociedade, que é uma sociedade tanto quanto “criminológica”, tenta buscar o prazer, a realização pessoal, como se adulto fosse.
Para Shaw e Mckay, autores citados por Walters (1976), o ambiente social tem uma grande influência no desenvolvimento de comportamentos agressivos, pois admitem que se desenvolvem numa área cercada pelo crime e delinquência, podem adoptar padrões subculturais predominantes, “mesmo que seus pais não sejam violentos ou contra a lei”.
Friedlander (1972) também é de opinião que os factores determinantes da conduta anti-social encontram-se na relação da criança com os pais, que só uma boa relação com estes e, em especial com a mãe, é que pode equilibrar as deficientes condições ambientais, o que é explicável, já que somente alguns indivíduos, mesmo nas classes económicas baixas, enveredam pelo caminho do crime.
Como efeito, é sabido que os adolescentes, em vez de estarem em escolas ou creches, estão pelas ruas, perambulando em busca de um pára-brisa para limpar, de um sapato para engraxar, etc., na tentativa de conseguirem algo para a sua subsistência. Outro factor deprimente é observado quando essas crianças, que são, muitas vezes, colocadas nas ruas pelos próprios pais para que possam obter um acréscimo à renda familiar, se não conseguem corresponder às expectativas destes, na maioria alcoólatras, maníacos, são espancadas, maltratadas, surgindo, assim, nos menores uma revolta para com os familiares e à sociedade, que irá reflectir no seu ingresso à criminalidade.
Segundo Friedlander (1972) citado por Fonseca os factores determinantes da conduta anti-social encontram-se na relação da criança com os pais, que só uma boa relação com estes e, em especial com a mãe, é que pode equilibrar as deficientes condições ambientais, o que é explicável, já que somente alguns indivíduos, mesmo nas classes económicas baixas, enveredam pelo caminho do crime.
Do ponto de vista sociológico, conforme Ventura (1999), as teorias da aprendizagem social, defendem a influência do grupo sobre os jovens, mostrando que a conformidade jovem/grupo condiciona determinados comportamentos, tais como: roubo, consumo de substâncias, abandono escolar, etc. Da mesma forma, Benavente (s/d) citando Rae-Grant, McConville, Kenned, Vaughan e Steiner (1999) ressalta que a influência do ambiente no aparecimento de comportamentos desviantes é, ainda, defendida por, considerando como factores de risco a existência de violência doméstica ou no bairro, o abuso de álcool, o envolvimento no tráfico de droga, a posse de arma e a associação com adolescentes e/ou adultos delinquentes.
Para além dos processos de socialização e das explicações facultadas pelas teorias da aprendizagem social, a formação de «gangs», pode, em alguns contextos, tornar-se vital sendo, segundo Digneffe (1989) citado por Benavente (s/d), uma forma de organização num universo desorganizado.
Sob um olhar psicológico, no período da adolescência, o estabelecimento do diagnóstico de Delinquência Juvenil deverá ter em consideração as questões que torneiam os processos normais de transgressão, sem qualquer expressão patológica, devendo, a todo o custo evitar-se a estigmatização do jovem que poderá ter consequências dramáticas. Assim, para Paiva e Sousa (1983) e Marques (1995) é importante ter em conta uma análise da história clínica adolescente, a intensidade, persistência, a rigidez e a repetição das condutas.
Nesta lógica, Benavente (s/d) citando Kernberg (1995), o comportamento anti-social indica a presença de mentiras, furtos, falsificações, fraudes e prostituição são incluídos numa tipologia predominantemente passivo-parasita e os assaltos, violações assassinatos e roubos à mão armada, característicos do comportamento de tipo agressivo. É, portanto, possível diferenciar clinicamente a orientação comportamental agressiva, sádica e, com frequência, paranóide de indivíduos com transtorno anti-social de personalidade, do tipo passivo, espoliativo e parasítico. Em pacientes com situação socioeconómica e cultural favorável e níveis médios.
Em jeito de conclusão, podemos assinalar que são causas indiscutíveis da delinquência juvenil a miséria em que nascem as crianças, a falta de educação pré-escolar, de centros de recreação, de orientação profissional, a falta de emprego e o fácil acesso às drogas. É importante colocar, também, a situação das crianças órfãs de pai e mãe que são de total responsabilidade do Estado e da sociedade, que, principalmente no que se refere ao papel do governo, têm-se mostrado incompetentes e desinteressados em propiciar a crianças e a todos no geral, um nível de vida melhor.
Capítulo 2
A Problemática da Delinquência Juvenil em Cabo Verde
No capítulo anterior discorremos sobre a acepção, causas e consequências da Delinquência Juvenil na óptica de alguns autores e segundo as interpretações psicologias e sociológicas. Por agora, iremos contextualizar essa problemática no contexto social cabo-verdiano.
Em Cabo Verde, o fenómeno da Delinquência Juvenil ganhou contornos alarmantes, nos últimos anos, causando muita dor de cabeça às autoridades e à própria sociedade. Não é menos verdade que os “caço-bodes” têm tirado a paz e a tranquilidade às pessoas, propiciando um ambiente social de maior insegurança. Sobre este particular, podemos afirmar que a carência de estudos nesta área se tem constituído numa das grandes fragilidades para a compreensão da complexidade deste fenómeno.
De acordo com o estudo promovido pelo serviço de Reinserção Social do Ministro da Justiça sobre a situação dos jovens em conflito com a lei em Cabo Verde, a subcultura da violência, a privação parental, a vulnerabilidade familiar, a exclusão social, a ambivalência de referências de conduta e convivência sociais, o défice de autoridade e de protecção e os atributos de personalidade são factores que possibilitam o fenómeno da delinquência juvenil, em Cabo Verde.
O mesmo estudo revela que dos adultos inquiridos na cidade da praia, 42,4% se declararam ter sido vítima de violência e, em 76,6% dos casos, o acto foi praticado por um jovem.
Da mesma forma, o estudo revela um cenário de extrema debilidade da família enquanto instância de socialização, de transmissão de valores e de afecto. Por esta razão, a família, constitui um dos factores chave de encaminhamento do jovem para a delinquência. A sua deficiente presença ou sua ausência total tem repercussão imediata sobre a identidade social, sobre a auto-percepção e sobre o quadro de oportunidades para os jovens.
Por outro lado, o estudo declara que a conduta delituosa dos jovens é tanto maior quanto há privação parental, uma vez que, os jovens desprovidos de um suporte comportamental adequado, dificilmente poderão incorporar modelos convencionais de interacção, necessários à sua inserção social e á sua afirmação como sujeitos. Neste sentido, é patente a existência de uma grande maioria de jovens em situação real ou potencial de conflito com a Lei a viver num quadro de ruptura dos laços familiares, a prevalência de famílias de tipo monoparental, formada por pais solteiros (cerca de 33%) ou em união de facto (40%).
De acordo com dados obtidos junto da Policia Nacional, tivemos a oportunidade de constatar que na cidade da Praia, a maior parte dos crimes são cometidos por jovens com a idade compreendida entre os 16 e 30 anos. Dos 1.286 casos registados, 7 foram cometidos por indivíduos menores de 16 anos, 213 por jovens com a idade compreendida entre 16-20 anos e os restantes 1.066 casos foram cometidos por indivíduos com a idade compreendida entre 21 e 30 anos de idade.